sábado, 14 de janeiro de 2012

O Neo-Puritano e o Neo-Ortodoxo.

 
Às vezes de onde menos se espera é que vem...

Estava eu na abertura da 37º reunião ordinária do Presbitério da Bahia na cidade de Jeribatuba, na Ilha de Vera Cruz – Ba (Itaparica), no microfone o então Presidente Rev. Josafá Vasconcelos pregando o texto sobre Elias e os profetas de Baal (1 Reis 18.17-46). Ele pregava com ênfase no culto fazendo comparações entre o culto a baal com danças (manquejos), teatro (ao redor do altar), instrumentos (facas, lancetas) etc. e o culto verdadeiro. Ele fazia várias asseverações quanto ao culto simples, sem instrumentos, sem nada visível além da Santa Ceia e do Batismo, pregava tudo o mais que todo mundo já sabe de cor quando se trata de neo-puritanos.
Quando de repente a graça o tomou. Já no fim do sermão, quando ele deixou de lado as particularidades de sua crença pessoal e voltou-se exclusivamente para o texto nos versos de 37-39, pregando realmente disse, referindo-se ao vs. 39:

O que esta faltando na Igreja de hoje é fogo! Fogo da parte de Deus, fogo do Espírito Santo que move o povo que está inerte e apático, porque vivemos tempos de apostasia. Tem faltado fogo nos púlpitos!”.

O Rev. Josafá pregava inflamado, cheio de temor, observando que muitos dos pregadores de hoje estão escondidos atrás de seus “empregos” e covardemente deixaram de pregar a Palavra. Fui impactado por estas palavras e não parei de pensar nisso, por isso decidi escrever.
Antes de dizer o que pretendo preciso esclarecer algumas coisas: não me converti ao puritanismo, não sou Puritano nem simpatizante da causa, contudo concordo com o Rev. Josafá e quero fazer a minha crítica aos que estão do “nosso lado”.

Vejo que nos dias de hoje o que vemos em boa parte dos púlpitos reformados brasileiros é intelectualismo, dogmática, doutrina coerente, mas não o poder de Deus, poder do Espírito Santo que se apodera do coração do pecador e não meramente da mente (nous), que penetra até as profundezas da alma, do inconsciente e até mesmo dos próprios componentes físicos da personalidade 1. Poder que é muito mais que teologia, diz Brunner numa crítica à sua época, mas que permanece tão atual:

O Espírito Santo sempre tem sido mais ou menos o enteado da teologia e o dinamismo do Espírito um bicho-papão para os teólogos; por outro lado, a teologia, através de seu intelectualismo inconsciente, muitas vezes tem experimentado uma influência restritiva significante, asfixiando as operações do Espírito Santo, ou pelo menos suas manifestações plenamente criativas” . 2

Acredito que Brunner enxergou o ponto central, a Igreja não deve viver meramente da continuidade da Palavra – manutenção da doutrina original – mas também da continuidade da vida que flui do Espírito Santo , ou seja, a Palavra e o Espírito juntos e intimamente relacionados é que mudam a vida do povo. Não há pregação da Palavra sem a confirmação do Espírito, parece óbvio, mas não é. Esse é o problema que muitos pastores reformados não percebem e continuam a pregar a Palavra verborragicamente, como se o muito falar ou a explicitação de teologia doutrinária somente pudessem mudar a vida dos ouvintes. Esta é uma parte decisiva, mas não tudo, é necessário poder (Dinamis) além da compreensão humana, é necessário unção, fogo.

Por outro lado, temo que sob a bandeira do cessacionismo muitos reformados estejam acomodados e tenham deixado de perceber, infelizmente, que o Espírito Santo continua operando no meio da Igreja do Senhor e que é Ele que opera efusivamente na vida do crente a ponto de mudar toda a realidade presente.  Poder a-lógico, para-lógico, como diz Brunner, que se apresenta no dinamismo da Ecclesia, poder esse que os evangelistas e missionários compreendem muito melhor do que teólogos, que apenas sabem coisas sobre esse poder. Como engenheiros que são muito poderosos com seus computadores nas mãos, mas que nada sabem na prática vivencial da labuta diária, conhecimento que muitos têm sem fazer cálculo, apenas no “olhômetro”.

Parece-me que há um medo entre os reformados de se parecerem com o que eles tanto atacam. Esse medo de serem levados por “vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro” (Ef. 4.14) tem freado o ministério de muitos, ou seja, por terem medo de parecerem “pentecostais” ou qualquer outra “coisa” semelhante, muitos têm deixado de ser “fortalecidos com poder, mediante o ... Espírito no homem interior” (Ef. 3.16) e de serem “tomados por toda a plenitude de Deus” (Ef. 3.19).  

Torno a repetir, o que me espantou foi que essa palavra poderia vir de um púlpito pentecostal ou qualquer outro que prega a continuidade dos dons, no entanto veio de um homem que está no pólo oposto, neo-puritano de carteirinha, cessacionista, mas que compreende que não há Igreja sem poder de Deus e que esta não pode ser fundada sobre palavra humana, “porque o reino de Deus consiste não em palavra, mas em poder” (1 Cor. 4:20) que faz retroceder o coração do pecador (1 Rs. 18.37)

Enfim, “àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória, na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém!” (Ef. 3:20-21) (Grifo MEU).





Referências:
1. BRUNNER, Emil; O Equivoco Sobre a Igreja, Ed. Cristã Novo Século, 2000, p. 54.
2. Idem, p.55.